A displasia fibrosa é uma lesão fibro-óssea benigna de desenvolvimento, não herdada, caracterizada pela substituição do osso normal por um osso imaturo e tecido fibroso. Lesão fibro-óssea é um termo utilizado para um conjunto de doenças de natureza variada que apresenta, microscopicamente, tecido conjuntivo fibroso e formação de material osteoide, embora exibam características clínico-radiográficas distintas.

 

Características clínicas

Clinicamente, embora a maxila, especialmente sua porção posterior, seja o osso mais afetado, os ossos adjacentes podem também ser envolvidos simultaneamente, o que justifica o uso do temo displasia fibrosa craniofacial. É considerada uma lesão de crescimento lento, geralmente expansiva e que, acomete principalmente pacientes na faixa etária da segunda e terceira décadas de vida, com predominância por e mulheres (Figura 1).

Quanto à sua forma, a displasia fibrosa pode envolver um único osso ou vários, sendo, assim, denominada de monostótica ou poliostótica, respectivamente. Na forma poliostótica, ela pode ser acompanhada por endocrinopatias, recebendo o nome de Síndrome de McCune-Albright. Lesões acastanhadas na pele, semelhantes a “café-com-leite” são também observadas nessa síndrome, mas quando não há acometimento endócrino, ela recebe a denominação de Síndrome de Jaffe‐Lichtenstein. As manchas acastanhadas na Síndrome de McCune-Albright comumente respeitam a linha mediana, seguindo o padrão de distribuição e migração dos remanescentes embrionários que contém a mutação (ver logo abaixo a patogenia molecular da doença). Essas pigmentações apresentam bordas irregulares, semelhantes a costa de Maine, estado dos EUA; em contraste com as bordas lisas da neurofibromatose, que lembram o estado da California. Ainda na síndrome de McCune-Albright, os pacientes podem apresentar outras alterações, como:  coxa vara, colo do fêmur em forma de cajado de pastor; complicações craniofaciais, como assimetria facial, perda de visão e de audição, congestão nasal, hiposmia e maloclusão dentária;  escoliose; -produção aumentada de fator de crescimento de fibroblasto-23 (FGF-23), podendo levar a hipofosfatemia; alterações endócrinas, como disfunção gonadal devido à produção aumentada de estrógeno causada pela ativação do gene GNAS1, hipertireioidismo, produção aumentada do hormônio do crescimento pela hipófise; neoplasias como o mixoma intramuscular, tumores pancreáticos e de mama.

 

Características radiológicas

A displasia fibrosa se apresenta como um processo radiopaco, semelhante a um “vidro despolido”, com limites imprecisos, em continuidade com o osso adjacente (Figuras 2 e 3). A aparência radiográfica da displasia fibrosa é modificada com a idade do paciente. Nos estágios iniciais, a lesão pode ser mais radiolúcida,  tornando-se gradativamente esclerótica ou radiopaca. A perda da lâmina dura é outra característica marcante dessa condição, embora a reabsorção das raízes dos dentes seja incomum. O deslocamento de dentes é menos significativo e frequente, quando comparado com o fibroma ossificante central.

displasia fibrosa - imagem clínica

Imagem radiográfica da displasia fibrosa

Figuras 1 e 2- Imagens clínica e radiográfica de displasia fibrosa. A imagem clínica mostra lesão expansiva na porção posterior da maxila direita. Observar no exame radiográfico a presença de lesão expansiva, radiopaca, com conteúdo homogêneo, semelhante a vidro despolido. Em razão dos limites imprecisos, a periferia da lesão parece se misturar gradativamente com o osso adjacente.

 

Imagem de tomografia computadorizada da displasia fibrosa

Figura 3- Exame de tomografia computadorizada mostrando lesão hiperdensa, de conteúdo predominantemente homogêneo e com limites imprecisos.

 

Características histopatológicas

A displasia fibrosa mostra aspectos microscópicos que podem se sobrepor ao de outras lesões fibro-ósseas benignas, principalmente o fibroma ossificante central.  Portanto, apesar de alguns diferenças microscópicas encontradas nessas lesões, o diagnóstico não deve ser baseado exclusivamente na aparência histopatológica.

No exame microscópico, encontramos tecido conjuntivo fibroso celularizado, entremeado por trabéculas de osso imaturo (Figura 4). Com a maturação da lesão, essas trabéculas são substituídas gradualmente por osso maduro, com espaços medulares reduzidos. As lesões que radiograficamente se apresentam como radiolúcidas mostram aspectos microscópicos contendo menor quantidade de material osteoide ou de osso maduro. O inverso também é verdadeiro, quando as lesões de pacientes (adultos e idosos) apresentam-se mais radiopacas, no exame radiográfico, e mostram, microscopicamente, formação mais exuberante de osso do tipo lamelar.

O osso formado na displasia fibrosa geralmente exibe fendas peritrabeculares, sem apresentar material eosinofílico osteoide na periferia ou as bordas em “escova”,  como ocorre com o fibroma ossificante central. Ainda que alguns autores afirmem que a presença de osteoblastos na periferia das trabéculas de uma lesão fibro-óssea benigna favoreça o diagnóstico de fibroma ossificante central, há casos bem documentados de displasia fibrosa exibindo esse detalhe microscópico.

Outro aspecto morfológico importante é a maneira como as trabéculas ósseas se misturam com o osso normal adjacente, explicando, assim, a sua má delimitação na displasia fibrosa. (Figura 5). Diferentemente, do fibroma ossificante que mostra boa delimitação, nos exames radiográfico e microscópico.

Apesar de alguns achados microscópicos sugerirem uma ou outra lesão fibro-óssea, vale enfatizar que nenhum deles é suficientemente confiável para estabelecer o diagnóstico diferencial. Mais uma vez, a despeito dessas diferenças, reiteramos que o diagnóstico de displasia fibrosa não deve ser feito, considerando somente as informações histopatológicas.

 

Figura microscópica da displasia fibrosa

Figura microscópica da displasia fibrosa

Figuras 4 e 5- Aspecto microscópico da displasia fibrosa em menor e maior aumento. Observar na figura 4 a formação de trabéculas irregulares e interconectadas de material osteoide, sustentadas por um estroma fibroso celularizado. A cortical óssea adjacente à lesão encontra-se no lado esquerdo dessa imagem. A figura 5 mostra trabéculas da lesão, em algumas áreas, interligadas com a cortical óssea (*).

 

Patogenia molecular

A displasia fibrosa é causada por mutações somáticas ativadoras no gene GNAS1. A substituição de arginina por histidina, no códon 201, do exon 8, do gene GNAS1 é a mutação mais frequente encontrada, embora outras alterações genéticas possam ocorrer, nessa posição ou em outros códons.

A mutação resulta na ativação da adenilato ciclase, acarretando a formação aumentada de 3′,5′-monofosfato cíclico (cAMP ou AMP cíclico) no interior da célula. A adenilato ciclase é uma enzima presente na membrana plasmática de várias células, incluindo os osteoblastos, que catalisa a conversão de ATP em cAMP. O cAMP é um segundo mensageiro que possibilita a transdução de sinais do meio extracelular (primeiro mensageiro), como hormônios, por exemplo, para o meio intracelular. Em suma, essa mutação leva, em última instância, a formação excessiva de cAMP no interior das células, o que causa diferenciação aberrante de osteoblastos.

As células que contêm essas mutações ativadoras são negativamente selecionadas na idade adulta. Esse aspecto é fundamental, pois explica a estabilização da doença, em idades mais avançadas.

Cabe mencionar ainda que, indivíduos afetados por essa doença são mosaicos para a mutação. Ou seja, algumas células podem (ou não) apresentar a mutação no gene GNAS1. Além disso, quando a alteração genética ocorre no período embrionário inicial, a população de células com a mutação é maior e o fenótipo da doença é mais severo (Síndrome de McCune-Albright). A ocorrência dessa anomalia em uma fase mais posterior pode ocasionar a formação de lesões ósseas múltiplas (forma poliostótica), mas sem alterações endócrinas. Quando o evento genético ocorre em uma fase mais avançada da embriogênese, haverá uma menor proporção de células alteradas e as lesões serão mais localizadas e isoladas (forma monostótica)

 

Tratamento

Antes de falarmos diretamente sobre o tratamento para displasia fibrosa, é importante ressaltar que essa doença tende a se estabilizar com a maturação do esqueleto, porquanto, a sua remoção completa, na maioria das vezes, não é necessária. Por isso, recomenda-se comumente a cirurgia mais conservadora, que busque a reabilitação funcional e estética do paciente. Ainda sobre a estabilização da doença em alguns pacientes, registra-se que ela pode ocorrer mais tardiamente, explicando, assim, o crescimento prolongado em alguns indivíduos. Há casos também de lesões mais agressivas que podem exigir tratamento cirúrgico amplo. A radioterapia é contraindicada e o uso de bifosfonatos pode aliviar a dor e diminuir o ritmo de crescimento das lesões, em alguns casos.

 

Leitura Complementar:

1- Davidova LA, Bhattacharyya I, Islam MN, Cohen DM, Fitzpatrick SG. An analysis of clinical and histopathologic features of fibrous dysplasia of the jaws: A case series and review of the literature. Head Neck Pathol 2019;14:353-361.

2- Fan Y, Glied A. Medication Management of Selected Pathological Jaw Lesions. Oral Maxillofac Surg Clin North Am 2022;34:179-187.

3- Prado Ribeiro AC, Carlos R, Speight PM, Hunter KD, Santos-Silva AR, Almeida OP, et al. Peritrabecular clefting in fibrous dysplasia of the jaws: an important histopathologic feature for differentiating fibrous dysplasia from central ossifying fibroma. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2012;114:503-508.

4- Speight P, Carlos R. Maxillofacial fibro‐osseous lesions. Curr Diagn Pathol 2006;12:1‐10.

5- Pereira TSF, Gomes CC, Brennan PA, Fonseca PF, Gomez RS. Fibrous dysplasia for the jaws: Integrating molecular pathogenesis with clinical, radiological, and histopathological features. J Oral Pathol Med 2019;48:3-9.

 

 

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