O líquen plano é uma doença mucocutânea imunomediada, que foi descrita pela primeira vez por Ferdinand Ritter von Hebra, em 1860. Mas foi em 1866, que Erasmus Wilson definiu-a melhor do ponto de vista clínico. Com prevalência estimada entre 0,2 a 5% da população mundial, cerca de 60% dos pacientes com doenças cutâneas apresentam lesões na cavidade oral. Pacientes com lesões orais podem apresentar ainda lesões em outras mucosas, como na região genital.
Etiologia
A etiologia do líquen plano é desconhecida, embora envolva uma reação de hipersensibilidade celular a algum antígeno presente no epitélio. Em relação à imunopatologia, a doença é caracterizada pela presença de interferon-Υ, IL-12, TNF-α, linfócitos CD4+ e CD8+, células de Langerhans, mastócitos e ausência de linfócitos B, dentre outros achados. Com esse perfil, alguns autores postulam que essa doença seja mediada por uma resposta imune do tipo Th1.
Características clínicas
Historicamente, o diagnóstico de líquen plano tem sido desafiador, embora atualmente, a literatura aponta para a necessidade de uma estreita correção clínico-patológica. Com predominância em mulheres adultas, o líquen plano pode adotar diferentes formas clínicas; tais como: reticular; erosivo/atrófico; placa e bolhoso. No padrão reticular, a forma clássica da doença, encontramos linhas brancas ou estrias que se cruzam (estrias de Wickham), podendo também estar associadas com áreas papulares ou eritematosas (Figuras 1 e 2). Nesse caso, um achado importante é a distribuição simétrica afetando principalmente a mucosa jugal bilateral. Quando afeta a gengiva, áreas erosivas/atróficas extensas podem ser identificadas, exibindo quadro semelhante a outras doenças que se manifestam como gengivite descamativa (ex.: penfigoide de mucosa e pênfigo vulgar) (Figura 3). O líquen plano erosivo/atrófico é a segunda forma mais comum da doença e as lesões geralmente apresentam sintomatologia dolorosa. Esses sintomas podem ocorrer quando surgem áreas erosivas ou eritematosas intercaladas com as áreas brancas em estrias encontradas na forma clínica reticular (Figura 1). A forma clínica em placa mostra lesões semelhantes à leucoplasia. Quanto à forma bolhosa, sabe-se que esse é um padrão raro, que normalmente é formado pela separação do epitélio com a lâmina própria. Vale ressaltar que todas essas quatro formas clínicas de líquen plano podem ocorre de forma individual ou combinada.
Figuras 1 e 2- Presenças de linhas e estrias brancas entrelaçadas, caracaterística do líquen plano reticular.
Figura 3- Lesões erosivas, de coloração avermelhada. Forma clínica erosiva de líquen plano.
Características histopatológicas
No exame microscópico, uma combinação de achados morfológicos pode ser notada. Geralmente, observamos a degeneração das células da camada basal, presença de corpúsculos hialinos no epitélio (corpúsculos de Civatte) e infiltrado inflamatório linfocitário, disposto em banda na porção superficial da lâmina própria, em interface com o epitélio. Essa disposição do infiltrado inflamatório tem sido denominada de mucosite de interface; que pode também ser encontrada em outras lesões, como doença do enxerto contra o hospedeiro, estomatite ulcerativa crônica, lúpus eritematoso e na reação liquenoide por droga ou induzida por amálgama. Isso justifica o uso da expressão “mucosite de interface” nos laudos histopatológicos para todas essas condições, incluindo o líquen plano. Com essa informação, o clínico deve correlacionar com as informações clínicas para fazer o diagnóstico diferencial.
Na interface do epitélio com a lâmina própria, no líquen plano, podemos também encontrar uma deposição homogênea de material hialino. Em algumas situações, as cristas epiteliais podem apresentar imagem de “dentes em serrilha”. Outra característica identificada é a deposição aumentada de melanina, não sendo incomum, a queda de pigmento melânico no conjuntivo (incontinência pigmentar). Em razão disso, os macrófagos presentes que fagocitam a melanina são denominados de melanófagos.
Figura 4- Em menor aumento, observar a presença de infiltrado inflamatório linfocitário disposto em banda na faixa subepitelial. Esse quadro é denominado de mucosite de interface e é encontrado no líquen plano e em outras doenças imunomediadas.
Figuras 5- Imagem em maior aumento mostrando degeneração da camada basal e presença de depósitos hialinos no epitélio, também conhecidos por corpúsculos de Civatte (seta).
Exame de imunofluorescência
O exame de imunofluorescência direta pode ajudar no diagnóstico diferencial do líquen plano com outras doenças descamativas, em especial, nos quadros de gengivite descamativa. Enquanto no líquen ocorre a deposição irregular de fibrinogênio ao longo da membrana basal; nas demais condições descamativas, há deposição de imunoglobulina em diferentes padrões. Além disso, esse exame também é importante para o diagnóstico diferencial com a estomatite ulcerativa crônica, quando há deposição intranuclear de IgG nas células epiteliais basais e parabasais. Entretanto, a imunofluorescência não tem utilidade no diagnóstico diferencial de líquen plano com lesões cancerizáveis.
Tratamento
Como o agente etiológico da doença é desconhecido, o tratamento de líquen plano não é curativo. Sendo assim, durante algumas semanas, a corticoterapia tópica é utilizada para aliviar os sintomas característicos. No entanto, o paciente deve ser informado que os períodos de remissão podem ser seguidos por outros de recrudescência. Um efeito colateral da terapia com corticosteroide é o desenvolvimento de candidíase eritematosa secundária. Nesse caso, será necessária a prescrição de terapia antifúngica tópica (com clotrimazol ou nistatina).
Desafios no diagnóstico de líquen plano
Em linhas gerais, vimos que o diagnóstico do líquen plano depende da análise combinada de informações clínicas e microscópicas. De igual modo, deve-se compreender que a expressão fenotípica da doença pode mudar ao longo do tempo, o que exigirá uma reavaliação completa do diagnóstico. Observa-se também que lesões bem características, clinicamente, podem não mostrar quadro histopatológico sugestivo de líquen plano; o que não descarta o seu diagnóstico. Ademais, é preciso levar em conta que as doenças imunomediadas geralmente apresentam momentos de maior atividade, intercalados por outros de menor intensidade, o que explica, em parte, a complexidade de se fazer esse diagnóstico. Como mencionado na descrição microscópica, o quadro histopatológico de mucosite de interface não é exclusividade no líquen plano.
Transformação maligna
Alguns casos de líquen plano sofrem transformação maligna, mas a frequência desse evento é desconhecida. O exame clínico e periódico é recomendável para o diagnóstico precoce de qualquer alteração maligna. É relevante destacar que lesões semelhantes ao líquen plano são encontradas nos estágios iniciais da leucoplasia verrucosa proliferativa; sendo esta, importante condição cancerizável oral. Apesar das dúvidas que permeiam, se todas essas lesões eram de fato quadros de líquen plano “verdadeiro”, não há critérios clínicos, microscópicos ou moleculares específicos que permitam identificar, de forma segura, as lesões que sofrerão transformação maligna.
(Veja o nosso post sobre líquen plano e biópsia)
Leitura Complementar:
1- Cheng YL, Gould A, Kurago Z, Fantasia H, Muller S. Diagnosis of oral lichen planus: a position paper of the American Academy of Oral and Maxillofacial Pathology. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016;122:332-354.
2- Guan G, Polonowita A, Hussaini H, Rich AM. Malignant transformation in oral lichen planus and lichenoid lesions: a 14-year longitudinal retrospective cohort of 829 patients in New Zealand. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2020;130:411-418.
3- McParland H, Warnakulasuryia S. Lichenoid morphology coud be an early feature of oral proliferative verrucous leukoplakia. J Oral Pathol Med 2021;50:229-235.
4-Ramos-García P, Gonzáles-Moles MA, Warnakulasuryia S. Oral cancer development in lichen planus and related conditions – 3.0 evidence level: A systematic review of systematic reviews. Oral Dis 2021; 27:1919-1935.
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