Etiologia

Há milhões de anos, quando chimpanzés e humanos divergiram de um ancestral comum,  a família Alphaherpesvirinae também divergiu, dando origem ao vírus do herpes simples  tipo 1 (HSV-1), que afeta humanos,  e o vírus do herpes simples do chimpanzé (ChHV). Curiosamente, com a infecção dos primeiros humanos pelo vírus do chimpanzé, o  ChHV deu origem ao vírus do herpes simples humano do tipo 2 (HSV-2), há aproximadamente 1,5 milhões de anos. Isso explica porque o HSV-2 é geneticamente mais próximo do vírus do chimpanzé (ChHV) do que com o HSV-1. Essa longa coevolução com seres humanos permitiu ao vírus do herpes desenvolver diversos mecanismos de evasão do sistema imunológico. Isso explica a dificuldade apresentada pelo nosso sistema imune de reconhecer o vírus durante o período de latência.

Características Clínicas

O HSV-1 é um vírus de DNA com grande prevalência e patogenicidade para os seres humanos. É uma doença que se manifesta nas formas clínicas: primária e secundária. Ambas são autolimitadas, em indivíduos imunocompetentes. O principal agente etiológico do herpes oral é o HSV-1, sendo o HSV-2, prioritariamente, de ocorrência genital.

Herpes Primário: Os humanos são os únicos reservatórios conhecidos para o HSV-1 e o vírus permanece viável por um curto período quando presente em superfícies externas. A contaminação ocorre pelo contato de um indivíduo com partículas virais presentes no exsudato de lesões ativas ou de secreções, principalmente a saliva de indivíduo contaminado. Geralmente, o vírus infecta o hospedeiro susceptível através de rupturas no epitélio causadas por lesões mecânicas, físicas ou químicas; bem como por infecções previamente existentes. Nessa fase, a maior parte das pessoas não apresenta sinais e nem sintomas. Quando esses estão presentes, são brandos e com a doença subclínica. Entretanto, em um pequeno grupo se observam lesões vesículo-ulcerativas que afetam principalmente a língua, gengiva, palato duro e mole (Figura 1), precedidas por sinais e sintomas prodrômicos, tais como: febre, artralgia, indisposição, mal-estar, irritabilidade e perda de apetite. As lesões vesiculares rompem-se rapidamente, dando lugar a áreas ulceradas ou eritematosas dolorosas. A gengivoestomatite herpética aguda é mais comum em crianças, mas, em países desenvolvidos, adolescentes ou adultos jovens podem ser afetados. A cicatrização das lesões e a remissão completa dos sintomas ocorrem após uma semana. Embora o aciclovir, agente antiviral comum na prática médica, faça efeito quando usado precocemente, o curso limitado da infecção, na maioria das vezes, não justifica o seu uso para pacientes imunocompetentes.

Como o curso da infecção nas células epiteliais é independente da infecção nas terminações nervosas, a lesão clínica nas mucosas não é obrigatória. Por essa razão, a presença de sinais e sintomas prodrômicos e linfadenopatia pode ser a única manifestação da doença. Além disso, é importante salientar que uma proporção pequena de indivíduos com gengivoestomatite herpética primária não desenvolve IgM ou IgG. Nesses casos, é possível que a resposta mediada por linfócitos T preceda e substitua a produção de IgG.

Imagem clínica da gengivo estomatite herpética aguda

Figura 1- Imagem clínica da infecção primária do herpes. Observar as lesões ulceradas formando desenho em mapa.

 

Herpes Secundário: Durante a infecção por HSV-1, o vírus penetra nas terminações nervosas dos ramos do nervo trigêmeo e alcança o gânglio trigeminal, ficando localizado no soma, ou seja, o corpo celular do neurônio. Nessa circunstância, a infecção atinge situação de latência ou de equilíbrio, quando partículas virais não são detectadas nas secreções, estando presentes apenas no gânglio de Gasser. Essa fase de latência é também denominada de Equilíbrio de Nash (Confira o nosso post para conhecer mais sobre esse conceito da área econômica e que ajuda na compreensão da interação parasita-hospedeiro no Herpes Simples). A reativação viral pode ocorrer em razão de vários fatores, como: estresse, exposição solar excessiva e imunossupressão. Embora esse fenômeno diminua com a idade, quando ocorre, é caracterizado pela migração dos vírions do soma para as terminações nervosas e, posteriormente, para o epitélio, provocando a formação de vesículas. A reinfecção com cepa diferente do vírus pode ocorrer, contudo é mais improvável, em razão da memória imunológica do paciente após a infecção primária. Os pacientes podem apresentar formigamento ou queimação antes do aparecimento das vesículas, mas os sinais prodrômicos são bem mais leves do que na infecção primária. As lesões do herpes secundário ocorrem mais em jovens, frequentemente nos lábios, mas, eventualmente, podem afetar a mucosa oral, especialmente a gengiva e o palato (Figuras 2 e 3). Inicialmente, as pequenas vesículas formadas e repletas de líquido se rompem, dando lugar as erosões e úlceras irregulares, sendo seguidas pela formação de crostas, no caso de lesões em lábio. As partículas virais são mais encontradas durante o rompimento das microvesículas. Alguns pacientes podem apresentar lesões labiais acompanhadas por lesões intrabucais.  Em razão do curso limitado, o uso de antivirais não é necessário, na maioria dos casos. É importante destacar que a medicação é geralmente necessária em pacientes imunocomprometidos, já que apresentam lesões disseminadas atípicas e com maior período de duração (Figura 4). Diferente do herpes recorrente intrabucal, quando a mucosa queratinizada (palato e gengiva) é a mais afetada, nos pacientes imunossuprimidos, tanto a queratinizada como a não queratinizada podem ser envolvidas.

 

Imagem clínica do herpes labialImagem clínica do herpes intraoral

Figuras 2 e 3- Herpes recorrente no lábio inferior e no palato.

 

Imagem clínica do herpes recorrente intraoral

Figura 4- Herpes recorrente intrabucal em um paciente transplantado de células tronco hematopoiéticas. 

 

Reativação assintomática e outras complicações do herpes

É importante salientar que alguns indivíduos podem apresentar reativação assintomática da doença, levando ao espalhamento do vírus pela saliva, sem exibir lesão clínica ou sinais/sintomas prodrômicos. Nessas situações, pode ocorrer a transmissão da doença. Outras complicações por herpes podem ocorrer se a carga viral for alta na infecção primária ou se o paciente for imunocomprometido. Nesses casos, o vírus pode afetar o gânglio geniculado, causando paralisia de Bell, gânglio vestibular, o que pode acarretar em surdez repentina e neurite vestibular. Além disso, a invasão do sistema nervoso central pode ocorrer, levando a encefalite por HSV-1. Nesses locais, a multiplicação viral é mais acentuada e não estabelece uma situação de equilíbrio, como observada no gânglio trigeminal. A encefalite aparece mais em adultos e idosos e pode ser letal, especialmente em indivíduos com comorbidades.

 

Microscopia

A biópsia não é necessária para o diagnóstico, mas pode ser eventualmente realizada diante de um quadro clínico for atípico. Microscopicamente, as células epiteliais infectadas pelo HSV se apresentam multinucleadas e com aspecto de vidro fosco, exibindo marginação da cromatina, sendo denominada de inclusões de Cowdry Tipo B (Figura 5). Estruturas ovoides, eosinofílicas, ocupando mais de 50% da área do núcleo podem ser encontradas no exame citológico e histopatológico e são denominadas de inclusões de Cowdry Tipo A.  Esse achado microscópico também é observado no herpes-zoster.

 

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Figura 5- Exame citológico mostrando células epiteliais infectadas pelo HSV. As células se apresentam multinucleadas e com núcleo com aspecto de vidro fosco (inclusões de Cowdry tipo B).

 

Leitura complementar:

1- Gomez RS, Carneiro MA, Souza LN, Victória JM, Azevedo WM, De Marco L, Kalapothakis E. Oral recurrent human herpes virus infection and bone marrow transplantation survival. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2001; 91:552-556.

2- Hargitai IA. Painful oral lesions. Dent Clin North Am 2018; 62:597-609.

3- Marques-Silva, Castro WH, Gomez EL, Guimarães AL, Silva MS, Gomez RS. The impact of dental surgery on HSV-1 reactivation in the oral mucosa of seropositive patients. J Oral Maxillofac Surg 2007; 65:2269-2272.

4- Regezi JA, Sciubba JJ, Jordan RCK. Oral Pathology: Clinical Pathologic Correlations. Elsevier: St. Louis, 7 ed., 2017.

5- Petti S, Lodi G. The controversial natural history of oral herpes simplex virus type 1 infection. Oral Dis  2019; 25:1850-1865.

 

 

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