O ceratocisto odontogênico é um cisto de origem odontogênica que exibe comportamento peculiar, sendo alvo de opiniões divergentes quanto à sua classificação como cisto ou tumor. O que fomenta essa discussão é o seu comportamento biológico. Diferente de outros cistos odontogênicos, como o radicular e o dentígero, que crescem em conformidade ao aumento da pressão osmótica no interior do lúmen cístico e que reabsorve o osso circunjacente, a expansão do ceratocisto odontogênico ocorre em razão de mecanismos patológicos inerentes aos seus componentes celulares do epitélio de revestimento e da cápsula cística.

 

Etiopatogenia

As alterações moleculares subjacentes à progressão do ceratocisto odontogênico englobam mudanças a nível genético e epigenético. Dentre as principais modificações gênicas citam-se a presença de mutações no gene PTCH1 e em outros genes associados à via de sinalização celular Hedgehog, como SMO, bem como a perda de heterozigosidade, envolvendo os genes SUFU e PTCH2, associados a esta via. Além disso, aumento da proliferação celular no revestimento do cisto é também relatada. Entre as alterações epigenéticas encontradas estão: as mudanças no perfil de metilação do DNA e a redução da expressão de alguns RNAs não codificantes, tais como: os micro-RNAs -miR15 e miR-16. Essas alterações podem repercutir no comportamento biológico agressivo do cisto, estimulando a teoria de que o ceratocisto odontogênico pode ser uma neoplasia cística benigna.

 

Características clínicas 

O ceratocisto odontogênico é mais frequente na região posterior da mandíbula e pode atingir grandes dimensões com pouca expansão das corticais. Isso se deve a sua característica de reabsorver a medula óssea com pouco envolvimento das corticais. De modo geral, o cisto não apresenta predileção por faixa etária, mas frequentemente é diagnosticado entre a primeira e a quarta década de vida. A lesão pode ser esporádica ou estar associada à Síndrome do Carcinoma Nevoide Basocelular, também chamada de Síndrome de Gorlin. Em pacientes sindrômicos, as lesões de ceratocisto são múltiplas e tendem a se manifestar de forma precoce, até a segunda década de vida. Portanto, é importante fazer uma investigação clínica e molecular abrangente, quando o diagnóstico deste tipo de cisto é estabelecido em crianças e/ou adolescentes. Vale mencionar ainda que, o diagnóstico precoce dessa síndrome é fundamental para o melhor prognóstico, uma vez que os indivíduos afetados são extremamente susceptíveis ao desenvolvimento de carcinomas basocelulares, alterações esqueléticas importantes, dentre outras neoplasias benignas e malignas. Raramente, o ceratocisto odontogênico manifesta-se de forma periférica, desenvolvendo-se como um nódulo submucoso de consistência macia e flutuante. As causas desta manifestação atípica são questionadas por alguns autores.

 

Características radiológicas

Radiograficamente o ceratocisto odontogênico apresenta sobreposições importantes com outras lesões odontogênicas. O cisto é geralmente observado como uma lesão radiolúcida bem delimitada, algumas vezes mostrando limites com contorno ondulado (Figuras 1). Quando está associado a um dente impactado, é indistinguível radiograficamente de um cisto dentígero. Grandes ceratocistos podem exibir multiloculações semelhantes às observadas no ameloblastoma. Pequenos ceratocistos podem se desenvolver entre as raízes dentárias de forma idêntica ao cisto periodontal lateral. Quando os ceratocistos se desenvolvem na região anterior da maxila, podem ser facilmente confundidos com um cisto do ducto nasopalatino. Assim, o diagnóstico desse cisto só pode ser definido após a correlação dos achados clínicos e imaginológicos com as alterações histopatológicas observadas.

 

 

Aspecto radiográfico do ceratocisto odontogênico

 

Figura 1- Imagem radiográfica do ceratocisto odontogênico. Além das margens bem definidas, observar o contorno ondulado dos limites da lesão. Nesse caso a lesão simula a aparência radiográfica de um cisto dentígero.

 

Punção aspirativa

A punção aspirativa do ceratocisto odontogênico revela líquido pastoso, com aparência cremosa e coloração esbranquiçada (Figura 2). O clínico deve estar atento a presença de líquido com esse aspecto e considerar a hipótese diagnóstica dessa lesão nesses casos.

 

Aparência cremosa e coloração esbranquiçada observada na punção aspirativa

 

Figura 2- Punção aspirativa do ceratocisto odontogênico revelando a presença de líquido de aparência cremosa e de coloração esbranquiçada.

 

Características histopatológicas

Os aspectos histológicos da lesão são bem característicos e incluem cavidade cística revestida por epitélio estratificado, pavimentoso, paraqueratinizado. Além disso, contém poucas camadas celulares, espessura uniforme e delgada; bem como superfície corrugada. A camada basal apresenta morfologia basaloide, disposição em paliçada, núcleos polarizados e hipercromáticos. A ausência de cristas epiteliais faz com que o revestimento tenha interface plana com a cápsula, apresentando rupturas com a mesma (Figuras 3 a 5). A presença de cistos satélites é observada principalmente quando o paciente é portador da Síndrome do Carcinoma Nevoide Basocelular. Ao analisar o aspecto microscópico do ceratocisto odontogênico em menor aumento, nota-se que o seu envoltório apresenta sinuosidades ou ondulações, o que permite supor que o seu crescimento não ocorre por pressão hidrostática interna. Geralmente, a presença de ortoqueratina, camada basal pouco proeminente, de aparência escamosa, sugere o diagnóstico de outra lesão odontogênica denominada de cisto odontogênico ortoqueratinizado.

 

Imagem microscópica do ceratocisto odontogênico

 Figura 3- Revestimento epitelial delgado, contendo poucas camadas celulas e com aparência sinuosa ou ondulada.

 

Imagem microscópica do ceratocisto odontogênico

Figura 4- Epitélio com superfície paraqueratinizada corrugada e camada basal hipercromática e em paliçada.

 

Imagem microscópica do ceratocisto odontogênico

Figura 5- Áreas de ruptura entre o epitélio e a cápsula. 

 

Tratamento

A enucleação completa associada a terapias adjuvantes como a ostectomia periférica, a cauterização química por solução de Carnoy e/ou a crioterapia é o tratamento adequado para o ceratocisto odontogênico, uma vez que a alta friabilidade da cápsula cística pode dificultar a remoção completa do epitélio de revestimento do cisto. Quando fragmentos de epitélio permanecem na cavidade cirúrgica, há tendência de recidiva. Grandes ceratocistos odontogênicos podem ser descomprimidos. A descompressão do cisto antes da enucleação promove alterações morfológicas, celulares e metabólicas no revestimento cístico, tal como: o espessamento da cápsula, o que facilita a enucleação da lesão e torna o epitélio de revestimento cístico morfologica e metabolicamente semelhante à mucosa oral normal. Isso está relacionado a um melhor prognóstico, com possível redução de recorrência. Por último, assim como se observa em outros casos de cistos odontogênicos, o ceratocisto pode sofrer transformação carcinomatosa, embora isso seja extremamente raro.

 

Assista ao vídeo sobre o ceratocisto odontogênico

 

Leitura Complementar:

1- Cunha JF, Gomes CC, Mesquita RA, Andrade Goulart EM, Castro WH, Gomez RS. Clinicopathologic features associated with recurrence of the odontogenic keratocyst: a cohort retrospective analysis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016; 121:629-635.

2- Gomes CC, Guimarães LM, Diniz MG, Gomez RS. Molecular alterations in odontogenic keratocysts as potential therapeutic targets. J Oral Pathol Med 2017;46:877-822.

3- Kumchai H, Champion AF, Gates JC. Carcinomatous Transformation of Odontogenic Keratocyst and Primary Intraosseous Carcinoma: A Systematic Review and Report of a Case. J Oral Maxillofac Surg 2021;79:1081.e1-1081.e1089.

4- Leite-Lima F, Bastos VC, Vitório JG, et al.. Unveiling metabolic changes in marsupialized odontogenic keratocyst: A pilot study. Oral Dis 2021 Epub ahead of print.

 

 

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