Pênfigo é uma doença vesicobolhosa e autoimune, cujo nome tem como origem na palavra grega pemphix, que significa bolha. Essa lesão compreende quatro subtipos: pênfigo vulgar, pênfigo vegetante, pênfigo eritematoso e o pênfigo foliáceo. A mucosa oral pode ser acometida pelos dois primeiros subtipos, o que é explicado quando compreendemos a patogênese da doença.

Das doenças autoimunes, o pênfigo é uma mais bem caracterizadas do ponto de vista da pesquisa básica e clínica. A doença é provocada por uma resposta imunológica que envolve a formação de autoanticorpos circulantes, do tipo IgG, contra as glicoproteínas desmogleínas 1 e 3, presentes nos desmossomos das células epiteliais. As desmogleínas são moléculas cálcio-dependentes (caderinas) envolvidas na adesão célula a célula. A ligação do anticorpo com essas glicoproteínas inibe a adesão celular, provocando a formação de fendas e bolhas intraepiteliais. Para compreender melhor os motivos que levam alguns pacientes a apresentarem lesões em pele e mucosas, enquanto outros mostram acometimento de apenas um desses locais, apresentamos um esquema sobre a expressão dessas glicoproteínas e o padrão clínico da doença (Figura 1).

 

 

Figura 1 – Esquema mostrando a expressão das desmogleínas 1 e 3 na pele e nas mucosas, bem como a sua associação com a formação de bolhas e a expressão clínica da doença nesses dois locais (Cortesia da Dra. Roberta Chaves).

 

Como pode ser observado, a desmogleína 1 apresenta maior expressão na pele, sendo distribuída, principalmente, nas camadas intermediárias e superficiais da epiderme. Por outro lado, sabemos que a desmogleina 3 é a principal glicoproteína presente nos desmossomos do epitélio que reveste as mucosas, sendo distribuída principalmente nas camadas parabasais do epitélio das mesmas. Deste modo, os pacientes, que desenvolvem resposta imune contra a desmogleina 1, terão lesões somente na pele, uma vez que glicoproteína está expressa em pequena quantidade nas mucosas. Nesses locais, há presença abundante de desmogleina 3 que atua como um mecanismo compensatório, evitando a formação de fendas ou lesões nesses locais. Mas, vale ressaltar que, se o indivíduo desenvolver anticorpos contra ambas desmogleínas, tanto a pele como a mucosa oral serão afetadas. Por fim, destacamos que os pacientes que apresentarem resposta imune contra a desmogleina 3, terão lesões somente nas mucosas, principalmente oral. Nesse caso, a presença abundante de desmogleina 1 na pele serve também como mecanismo compensatório, que evita o surgimento de bolhas, ficando essas restritas às mucosas.

Outro detalhe importante a notar é que pacientes com pênfigo que produzem anticorpos somente contra a desmogleina 1, em razão da alta expressão dessa glicoproteína nas camadas intermediárias e superficiais da pele, exibem bolhas mais próximas da superfície. A doença recebe a denominação de pênfigo foliáceo ou pênfigo eritematoso, sendo encontrado exclusivamente na pele.

 

Características clínicas

A manifestação clínica na mucosa oral é um achado importante do pênfigo vulgar, sendo observada entre 50% a 90% dos pacientes. Quando isso ocorre, em mais da metade dos casos, somente lesões orais são identificadas e elas podem anteceder as bolhas na pele. Eventualmente, mucosas de outras regiões, tais como: laringe, esôfago, conjuntiva ocular, nasal, genitália e o ânus podem ser afetadas. Pacientes com manifestação inicial cutânea tendem a desenvolver lesões orais.

Quanto à forma de apresentação, as lesões de boca podem ser úlceras, erosões ou processos descamativos. Elas podem ser observadas tanto na mucosa ceratinizada como não ceratinizada (Figuras 2 e 3). Nos casos que há formação de bolhas, estas se rompem rapidamente, não sendo identificas no exame clínico (Figura 4). Embora bolhas na pele sejam mais comuns (Figura 5), comparada com a mucosa, essas também se rompem dando lugar a lesões eritematosas e ulcerativas. A pressão lateral do tecido cutâneo pode levar a formação de bolhas, sendo denominado de sinal de Nikolsky.

 

Imagem clínica de pênfigo vulgar

 

Imagem clínica de pênfigo vulgar

 

Figuras 2 e 3 – Imagem clínica do pênfigo vulgar mostrando lesões descamativas na gengiva e mucosa alveolar.

 

Imagem clínica de pênfigo vulgar

 

Figura 4 – Lesão bolhosa do pênfigo vulgar no ventre lingual (Cortesia do Prof. Ricardo Mesquita).

 

Imagem clínica de pênfigo vulgar

 

Figura 5 – Lesão bolhosa do pênfigo vulgar localizada na pele.

 

Características histopatológicas

Para o diagnóstico de pênfigo deve ser feita a biópsia na região perilesional. Caso seja realizado o procedimento no centro da lesão, a provável ausência de revestimento epitelial nessa área e o infiltrado inflamatório secundário poderão mascarar os achados microscópicos, dificultando o diagnóstico. No exame microscópico, encontraremos uma fenda intraepitelial, localizada na região suprabasilar (Figura 6). Por vezes, o epitélio que recobre a fenda é perdido, permanecendo a camada basal presa ao conjuntivo, provocando o “efeito lápide” (Figura 7). Além disso, no interior da fenda, encontraremos células acantolíticas. Apesar da formação de fendas acontecer dentro de um quadro não inflamatório, é possível encontrar alguma infiltração por eosinófilos e neutrófilos ou mesmo um infiltrado inflamatório secundário.

O exame de imunofluorescência direta é o mais sensível e específico para a confirmação do diagnóstico. Nele, encontraremos a deposição de IgG no espaço intercelular, entre as células epiteliais, em um padrão semelhante a colmeia.

 

Imagem microscópica de pênfigo vulgar

 

Figura 6 – Quadro microscópico, em menor aumento, mostrando descolamento das camadas suprabasilares, com formação de uma fenda intraepitelial.

 

Imagem microscópica de pênfigo vulgar

 

Figura 7 – Imagem microscópica, em maior aumento, mostrando células epiteliais acantolíticas (seta azul) e células da camada basal, presas ao conjuntivo e dispostas lado a lado, provocando o “efeito em lápide” (seta verde).

 

Tratamento

O tratamento deve ser iniciado precocemente para evitar a progressão da doença, facilitando também o manejo do paciente. Basicamente, o tratamento deve ser conduzido por um profissional experiente, já que envolve o uso de corticoides associado a outras drogas imunossupressoras, imunoglobulina intravenosa, plasmaferese ou rituximabe. Embora a doença possa apresentar remissão, períodos de exacerbação são comuns. No entanto, é importante destacar que a terapia com corticoide pode provocar efeitos colaterais, tais como: diabetes mellitus, hipertensão, ganho de peso corporal, imunossupressão, entre outros. Esses efeitos, em longo prazo, poderão levar o paciente a óbito, observado entre 1,6% a 12% dos casos. Estudos conduzidos por diferentes grupos mostram que as comorbidades psiquiátricas, como ansiedade e depressão, acompanham também os pacientes com essa doença e isso deve ser considerado pela equipe durante o tratamento.

Em alguns casos de pênfigo vulgar, a recidiva da doença pode ocorrer com um fenótipo clínico e histológico de pênfigo foliáceo, especialmente quando essas ocorrem após uma longa remissão. Gestantes com pênfigo podem transferir autoanticorpos passivamente para o filho, resultando no aparecimento de bolhas transitórias no neonato.

 

Leitura complementar:

1- Buonavoglia A, Leone P, Dammacco R, Di Lernia G, Petruzzi M, Bonamonte D, et al. Pemphigus and mucous membrane pemphigoid: An update from diagnosis to therapy. Autoimmun Rev 2019;18:349-358.

2- Kasperkiewicz M, Ellebrecht CT, Takahashi H, Yamagami J, Zillikens D, Payne AS, et al. Pemphigus. Nature Review Disease Primers 2017;17026.

3- Leuci S, Ruoppo E, Adamo D, Calabria E, Mignona MD. Oral autoimmune vesicobullous diseases: Classification, clinical presentations, molecular mechanisms, diagnostic algorithms, and management. Periodontology 2000 2019;77-81.

4- Neville BW, Damm DD, Allen CM, Chi AC. Oral and Maxillofacial Pathology. Elsevier, St. Louis, 4ed, 2016.

 

 

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