A osteomielite crônica primária é uma desordem incomum, caracterizada pela inflamação não supurativa do osso, sem apresentar infecção bacteriana evidente. Ou seja, não há formação de pus ou de sequestros na doença.

 

Etiologia

Embora várias teorias tenham sido levantadas para explicar a origem da osteomielite crônica primária, a sua etiologia permanece desconhecida. Para alguns autores, a doença começa através de uma infecção por microrganismos de baixo grau de virulência, provocando uma resposta imunológica exagerada em um hospedeiro susceptível. Por outro lado, outros defendem que a osteomielite primária crônica não apresenta etiologia infecciosa.

 

Características clínicas e radiológicas

A osteomielite primária crônica afeta com maior frequência a mandíbula, apresentando dois picos de surgimento: adolescentes, até os 20 anos de idade, e adultos, após os 50 anos de idade.

Clinicamente, os pacientes relatam episódios de dor e tumefação com consistência endurecida. Nos períodos de maior atividade da doença, o paciente pode apresentar linfadenopatia, sensação sensitiva reduzida do nervo alveolar inferior e dificuldade de abertura bucal. Diferente da osteomielite crônica supurativa, o paciente não apresenta sinais e sintomas supurativos associados com infecção odontogênica, tal como: febre, fístula, formação de sequestros e pus.

Na fase inicial, a doença apresenta padrão radiológico misto, com áreas radiolúcidas/hipodensas, entremeadas por outras mais radiopacas/hiperdensas. No exame de imagem, as áreas afetadas do osso mostram aparência mista, radiolúcida e radiopaca, com aumento de volume e envolvimento periosteal. Com o passar do tempo, a lesão torna-se mais radiopaca, enquanto as áreas radiolúcidas ficam, cada vez mais, escassas e espaçadas. Cabe mencionar que novos ciclos de sintomas podem ocorrer durante a evolução da doença. Ciclos esses que são separados por intervalos caracterizados, por quadro, ora completamente assintomático, ou com dor discreta. Alguns achados laboratoriais relatados são: leve aumento do índice de sedimentação eritrocitária e dos níveis de proteína C reativa.

A osteomielite crônica primária se apresenta como um processo focal e deve ser diferenciada de outras osteomielites semelhantes, mas que mostram envolvimento ou manifestação extragnática, como a síndrome de SAPHO (Synovitis, Acne, Pustulosis, Hyperostosis e Osteitis) e a osteomielite crônica recorrente multifocal.

A síndrome de SAPHO afeta adultos. Em geral, o paciente desenvolve osteítes em vários ossos, inflamação nas articulações e infecções neutrofílicas recorrentes na pele (acne, psoríase pustular, pustulose palmo-planta e hidradenite). É importante destacar também que, nesse caso, o surgimento dessas alterações não ocorre simultaneamente. Isso explica o fato de que, inicialmente, alguns casos foram diagnosticados como osteomielite crônica primária, mas, posteriormente, com o aparecimento das manifestações em pele ou articulares, eles tiveram o diagnóstico modificado para SAPHO. Lesões ósseas inflamatórias múltiplas em crianças, principalmente em ossos longos, são encontradas na osteomielite crônica recorrente multifocal. Como o quadro de osteíte, nessas duas entidades, se assemelha à osteomielite crônica primária, é importante realizar o diagnóstico diferencial da doença, levando em conta a investigação do envolvimento de outros ossos, além do quadro de pústulas em pele, para afastar a possibilidade dessas síndromes.

Diversas condições patológicas devem ser consideradas no diagnóstico diferencial da osteomielite crônica primária, entre as quais, podemos citar: a displasia fibrosa, osteomielite supurativa crônica (osteomielite crônica secundária), osteossarcoma, parotidite recorrente crônica, síndrome de Sjögren (em crianças), síndrome de SAPHO e a osteomielite crônica recorrente multifocal.

No entanto, vale lembrar que a ausência de fístulas, sequestros, foco de infecção, sintomas relacionados à síndrome de Sjögren, além do longo período de evolução, favorecem o diagnóstico de osteomielite crônica primária. Tanto a esclerose óssea como a hipertrofia do osso são encontrados, com maior frequência, na forma primária do que secundária de osteomielite crônica. O exame de biópsia é importante para excluir a hipótese de displasia fibrosa e osteossarcoma.

 

Imagem radiográfica da osteomielite crônica primária

 

Figura 1 – Imagem panorâmica de uma criança com queixa de dor na região mandibular direita, linfadenopatia regional, aumento de volume no exame clínico e sem sinais sugestivos de infecção odontogênica. No exame radiográfico, notamos lesão óssea mista, com predomínio de esclerose óssea, além de diminuição na espessura da cortical óssea na área afetada. Exames adicionais, inclusive de tomografia computadorizada, revelaram hipertrofia óssea com perda da delimitação da cortical óssea na região posterior mandibular.

 

Características histopatológicas

No exame microscópico, encontraremos a deposição de osso esclerótico, exibindo numerosas linhas reversas de remodelação, dando o aspecto pagetoide. O espaço intertrabecular pode se apresentar fibrosado, contendo células inflamatórias, predominantemente monucleares. Microabscessos, também, podem ser encontrados.

Em geral, as alterações microscópicas variam conforme a idade do paciente e a fase da doença. Enquanto nos jovens, e nos estágios iniciais da doença, encontraremos maior índice de reabsorção óssea e formação de osso subperiosteal, nos adultos, e nas fases mais avançadas da doença, serão encontrados: maior fibrose medular, aposição óssea endosteal, com aparência pagetoide.

 

Tratamento

Como se trata de uma condição rara, a literatura sobre o tratamento da osteomielite crônica primária está, basicamente, restrita aos relatos de casos ou de pequenas séries desses. Assim, o tratamento utilizado por diferentes autores inclui: anti-inflamatórios não esteroides, anti-inflamatórios esteroides, antibióticos, anticorpos contra o fator de necrose tumoral, bifosfonatos, oxigênioterapia hiperbárica e cirurgia. A despeito de todas essas tentativas, e apesar de alguns casos apresentarem melhoras quanto aos sintomas, além de regressão das alterações radiológicas, recorrências são relatadas. Como a ressecção cirúrgica extensa não garante o controle da doença, além de causar significativa morbidade, ela não deve ser utilizada, especialmente em crianças. Existem também casos com remissão espontânea.

 

Leitura complementar:

1- Baltensperger MM, Eyrich GK. Osteomyelitis of the jaws. Springer-Verlag, Berlin, 2009.

2- Julien Saint Amand M, Sigaux N, Gleizal A, Bouletreau P, Breton P. Chronic osteomyelitis of the mandible: A comparative study of 10 cases with primary chronic osteomyelitis and 12 cases with secondary chronic osteomyelitis. J Stomatol Oral Maxillofac Surg 2017;118:342-348.

3- Haverals L, Mattheij M, Hoppenreijs E, Bergé S, van der Weij A. A boy with recurrent swelling of the jaw. Pediatr Rep 2018;9:7489.

4- Robertsson C, Sävendahl L, Cardemil C. Primary chronic osteomyelitis of the jaw: Rapid improvement after hormonal suppression in a girl with precocious puberty. Bone Rep 20217;14:101089.

 

 

 

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