O cisto dermoide é uma anomalia cística de desenvolvimento, um subtipo de cisto disontogênico, que tem como causa o aprisionamento de ectoderma por processos embrionários. Na cavidade bucal, isso ocorre durante a fusão do primeiro com o segundo arco branquial. Como o cisto não é constituído por tecidos derivados dos três folhetos embrionários, ele não é considerado teratoma cístico. Por definição, os teratomas representam alterações de desenvolvimento envolvendo, necessariamente, os três folhetos embrionários.

Ocasionalmente, o termo cisto teratoide é empregado para cisto dermoide e, também, para designar outro cisto raro encontrado na boca: o cisto gastrointestinal heterotópico. Embora seu revestimento (o epitélio gastrointestinal) tenha origem endodérmica, faltam-lhe, ainda, outros tecidos derivados dos demais componentes embrionários. Vale ressaltar que, esses cistos (o cisto dermoide e o cisto gastrointestinal) são formas frustas de teratoma cístico.

Quanto ao cisto epidermoide, ele é considerado também uma anomalia cística de desenvolvimento, mas, diferente do cisto dermoide, não apresenta anexos dérmicos, como as glândulas sebácea e sudorípara, nem folículo piloso. Nesse contexto, é importante ressaltar que, não devemos confundir o cisto epidermoide de desenvolvimento, que trataremos nesse texto, com o cisto epidérmico de pele, derivado do folículo piloso. Isso porque o cisto epidérmico é semelhante, histopatologicamente, ao cisto epidermoide, mas tem relação com implantação traumática e ocorre, frequentemente, nas mãos, sendo, algumas vezes, identificado na face.

 

Características clínicas

Os cistos dermoide e epidermoide são geralmente identificados em indivíduos da segunda e terceira décadas de vida. Cerca de 7-8% dos cistos dermoides ocorrem na região de cabeça e pescoço, sendo que ¼ desses são encontrados, principalmente, na posição mediana do espaço sublingual, também conhecido por assoalho bucal (Figura 1). Há relatos ocasionais desses cistos posicionados lateralmente no espaço sublingual (Figura 2). Em geral, o cisto epidermoide verdadeiro, ou seja, ocasionado por distúrbio de desenvolvimento, quando excluímos o cisto epidérmico, é mais raro que o cisto dermoide. Tanto o cisto dermoide, como o epidermoide, apresentam tamanhos variados e crescimento lento. São bem delimitados e podem sofrer infecção secundária. Existem também casos incomuns de lesões múltiplas (ou com trajetos) que se estendem para outras regiões da cavidade bucal, orofaringe ou hipofaringe.

Quando os cistos dermoide e epidermoide estão localizados acima do músculo gênio-hioide, o paciente poderá apresentar elevação mais pronunciada da língua, causando alguma dificuldade para o fechamento da boca, mastigação, fala ou, até mesmo, para respiração. Por outro lado, a sua ocorrência abaixo do gênio-hioide promove uma elevação mais acentuada na região submentoniana, conferindo aspecto de “queixo-duplo”. Com isso, alguns diagnósticos diferenciais importantes para tumefações presentes no espaço sublingual são importantes, tais como: processo infeccioso, sialoadenite, rânula, neoplasias de origem glandular, cisto da fenda branquial, cisto do ducto tireoglosso, linfangioma, cisto teratoide, cisto gastrointestinal heterotópico e cistos dermoide e o epidermoide.

 

Imagem clínica de cisto dermoide

Figura 1- Imagem clínica do cisto dermoide, localizado na posição mediana do assoalho bucal (Imagem gentilmente cedida pelo Dr. Júlio César Tanos Lacerda).

 

Imagem clínica de cisto dermoide

Figura 2- O cisto dermoide, em alguns casos, pode apresentar localização unilateral (Imagem gentilmente cedida pelo Prof. Wagner Henriques Castro).

 

Características radiológicas

Tanto a ultrassonografia como a tomografia computadorizada, ou o exame por ressonância magnética, são capazes de mostrar com diferentes resoluções: uma massa bem circunscrita, com parede delgada, unilocular, na região submandibular e sublingual. Geralmente, a ultrassonografia é o primeiro exame de escolha e, conforme o resultado, os demais exames imaginológicos poderão ajudar. A ressonância magnética, por exemplo, pode ser importante para a confirmação da suspeita de casos raros de lesões múltiplas.

 

Características histopatológicas

O cisto dermoide, tanto quanto o cisto epidermoide, mostra em seu revestimento um epitélio estratificado pavimentoso hiperqueratinizado, com camada granulosa bem evidente. A diferença entre ambos está na presença de anexos dérmicos no cisto dermoide, como folículo piloso, glândulas sudoríparas e glândulas sebáceas (Figura 3).

Adicionalmente, há relatos de cisto dermoide associado com cisto gastrointestinal, cisto broncogênico ou cisto linfoepitelial. Considera-se também que, quando o cisto dermoide apresenta elementos derivados do endoderma, epitélio gastrointestinal, por exemplo, além de outros originados do mesoderma, como cartilagem, osso, músculo, tecido neuronal, ele deve ser chamado de cisto teratoide.

 

Imagem microscópica de cisto dermoide

Figura 3- No cisto dermoide encontraremos o revestimento epitelial queratinizado e anexos dérmicos. Nesse caso podemos observar a presença de glândulas sebáceas.

 

Tratamento

O tratamento é a enucleação cirúrgica e as recidivas são raras. A boa delimitação da lesão é facilmente observada durante a sua enucleação (Figura 4). A marsupialização dessas lesões é desaconselhada. Existem, ainda, alguns casos raros de transformação maligna reportados na literatura.

 

Imagem transoperatória do cisto dermoide

Figura 4- Imagem transoperatória do cisto dermoide ilustrada na figura 2. Observar a boa delimitação da lesão.

 

Leitura complementar:

1- Fanous A, Morcrette G, Fabre M, Couloigner V, Galmiche-Rolland. Diagnostic Approach to Congenital Cystic Masses of the Neck from a Clinical and Pathological Perspective. Dermatopathology 2021;8:342-358.

2- Gaddikeri S, Vattoth S, Gaddikeri RS, Stuart R, Harrison K, Young D, et al. Congenital Cystic Neck Masses: Embriology and Imagin Appearances, With Clinicopathological Correlation. Curr Prob Diagn Radiol 2014;43:55-67.

3- MacNeil SD, Moxham JP. Review of Floor of Mouth Dysontogenic Cysts. Ann Otol Rhinol Laryngol 2010; 119:165-173.

4- Neville BW, Allen CM, Damm DD, Chi AC. Oral and Maxillofacial Pathology 2016. Elsevevier: St Louis. 4ed.

5- Robinson L, Sengoatsi T, van Heerden WFP. Concomitant Congenital Intraoral Dermoid Cyst and Heterotopic Gastrointestinal Cyst. Head Neck Pathol 2020;15:298-302.

6- Shear M, Speight PM. Cysts of the Oral and Maxillofacial Regions. Blackwell: Oxford, 2007, 4 ed.

7- Voss JO, Buehling S, Thieme N, Doll C, Hauptmann K, Heiland M, et al. Sublingual cysts of different entities in an infant – A case report and literature review. Int J Pediatr Otorhhinolarynol 2018; 113:260-265.

 

 

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