O ameloblastoma é um tumor odontogênico benigno originado dos remanescentes epiteliais da lâmina dentária. Alguns autores apontam ainda a sua possível origem a partir do órgão do esmalte do dente em desenvolvimento ou do revestimento epitelial de cistos odontogênicos, embora a primeira teoria seja a mais aceita. Com frequência semelhante à de todos os demais tumores odontogênicos benignos, com a exceção do odontoma, a principal alteração genética no ameloblastoma é a mutação BRAFV600E. Ele é classificado em três subtipos: unicístico, convencional e periférico. A seguir abordaremos, separadamente, cada tipo, em razão das suas diferenças clínicas, microscópicas e prognósticas (Tabela 1).

 

Ameloblastoma e classificação

 

Ameloblastoma Unicístico

Esta é uma variante de ameloblastoma, responsável por 10 a 40% dos casos da doença, que afeta, principalmente, pacientes da segunda década de vida e localiza-se, em especial, na região posterior de mandíbula. No exame radiológico, observaremos imagem radiolúcida/hipodensa, unilocular, com limites bem definidos, que, frequentemente, é associada à dente incluso (Figura 1). Nesses casos, a apresentação radiológica lembra o cisto dentígero.  As margens da lesão podem também se apresentar festonadas. Quando ocorre imagem multiloculada, esse diagnóstico deve ser questionado, uma vez que essa não é uma característica dessa lesão.

Para o diagnóstico de ameloblastoma unicístico é muito importante que o cirurgião, durante a biópsia incisional, tente avaliar se a lesão é predominantemente cística. Isso é relevante porque o ameloblastoma convencional pode apresentar áreas císticas.

 

Imagem radiológica do ameloblastoma unicístico

Figura 1- Imagem radiolúcida unilocular, com limites bem definidos e contorno festonado do ameloblastoma unicístico.

 

No exame microscópico do ameloblastoma unicístico, encontraremos uma cavidade cística revestida por um epitélio, exibindo células basais colunares, com núcleos hipercromáticos, polarizados e com vacuolização citoplasmática no polo basal (Figuras 2 e 3). As células das camadas superiores se apresentam frouxamente dispostas. Quando apresenta esse quadro microscópico, o tumor é denominado de ameloblastoma unicístico luminal. Quando há formação de projeções epiteliais para o interior da cavidade, ele passa a ser chamado de ameloblastoma unicístico intraluminal. A variante mural de ameloblastoma unicístico é caracterizada pela invasão da cápsula por lençóis de células neoplásicas (Figura 4). Essa invasão pode comprometer toda a espessura da cápsula, o que aumenta as chances de recidiva, quando o tumor é apenas enucleado. Mas vale ressaltar que a invasão mural da cápsula pode ocorrer apenas em áreas isoladas. Por último, cabe mencionar que  o exame microscópico da peça cirúrgica deve ser, minuciosamente, realizado através de múltiplos cortes histológicos.

 

Imagem microscópica em menor aumento do ameloblastoa unicístico luminal

 

Imagem histológica em maior aumento do ameloblastoma unicístico luminal

Figuras 2 e 3 – Ameloblastoma unicístico, variante luminal, em menor e maior aumento. Observar na primeira imagem a presença da cavidade cística revestida por um epitélio odontogênico e envolvida mais externamente por uma cápsula. Em maior aumento notamos células basais colunares, com núcleos hipercromáticos e polarizados.

 

Imagem microscópica do ameloblastoma unicístico, do tipo mural.

 

Figura 4- Nessa imagem de ameloblastoma unicístico, variante mural, observamos, no lado direito, invasão da cápsula por lençóis de células epiteliais neoplásicas.

 

Ameloblastoma Convencional

O ameloblastoma convencional é o subtipo mais comum de ameloblastoma. Ele ocorre principalmente em pacientes adultos, atingindo mais a região posterior de mandíbula. Geralmente, o tumor é assintomático e de crescimento lento, mas quando não tratado, pode exibir desenvolvimento massivo.

Radiologicamente, encontraremos uma imagem radiolúcida/hipodensa, com limites bem definidos e festonados, uni ou multiloculada. Quando a imagem é multiloculada, ela pode exibir lóculos pequenos, chamada de “favos de mel”, ou lóculos maiores, lembrando “bolhas de sabão” (Figuras 5).  Além da reabsorção de dentes, o tumor pode levar a expansão das corticais. O subtipo desmoplásico apresenta imagem radiolúcida/radiopaca mista, que se assemelha a uma lesão fibro-óssea benigna.

 

Imagem radiográfica do ameloblastoma convencional

 

Figuras 5- Imagem radiológica do ameloblastoma convencional. Nessa figura observamos lóculos pequenos, lembrando padrão de “favos de mel”, e outros maiores, semelhantes a bolhas de sabão.

 

Microscopicamente, no ameloblastoma convencional pode apresentar diferentes tipos histológicos. Entretanto, esses subtipos não apresentam relevância prognóstica. Os subtipos mais comuns são: o folicular e o plexiforme.

No que se refere ao subtipo de ameloblastoma folicular, encontraremos lençóis de células epiteliais que lembram o epitélio do órgão do esmalte (Figuras 6 e 7). Na periferia, as células se apresentam altas, colunares, contendo núcleos hipercromáticos e polarizados a distância do estroma da lesão. Essas células se assemelham aos ameloblastos do órgão do esmalte. Na porção central, as células se dispõem frouxamente, lembrando o retículo estrelado do órgão do esmalte. Formações císticas são comuns no tumor.

 

Ameloblastoma folicular

 

Ameloblastoma folicular

 

Figuras 6 e 7- Imagem histológica do ameloblastoma folicular. Observar em maior aumento a presença de lençóis de células neoplásicas exibindo, na periferia, morfologia basaloide com núcleos hipercromáticos e polarizados, lembrando ameloblastos envolvidos na odontogênese. Na área central dos lençóis notamos células frouxamente dispostas, semelhante ao retículo estrado do órgão do esmalte, além de metaplasia escamosa.

 

No que diz respeito ao subtipo histológico de ameloblastoma plexiforme, ele é caracterizado pela formação de cordões anastomosados, contendo células semelhantes aos ameloblastos na periferia (Figura 8).  Áreas císticas podem ocorrer, mas essas são causadas pela degeneração do estroma. Enquanto metaplasia escamosa intensa, levando a formação de queratina, caracteriza o ameloblastoma acantomatoso, no tipo granular, as células do tumor passam a apresentar um citoplasma granular, em razão da presença de estruturas lissossomais. O ameloblastoma granular é identificado, principalmente, em lesões com longo período de evolução. No ameloblastoma desmoplásico, observaremos ilhas e cordões de epitélio odontogênico, aparentemente comprimidos pelo estroma fibroso denso (Figura 9). O subtipo basal é o mais raro e, microscopicamente, se assemelha ao carcinoma de células basais de pele.

 

Ameloblastoma plexiforme

 

Figura 8- No ameloblastoma plexiforme as células se dispõem em cordões anastomosados.

 

Ameloblastoma desmoplásico

 

Figura 9- Um estroma densamente fibroso, comprimindo as estruturas epiteliais do tumor, caracterizam o ameloblastoma desmoplásico.

 

Ameloblastoma Periférico

Esse é o subtipo mais raro de ameloblastoma. Ele ocorre na mucosa do rebordo alveolar ou gengival e apresenta, em geral, as mesmas características microscópicas do ameloblastoma convencional.

 

Tratamento

O tratamento do ameloblastoma depende de vários fatores clínicos, radiológicos e microscópicos. Para o diagnóstico da doença, incluindo as suas variantes, é necessário que haja uma rigorosa análise dos dados clínicos, radiológicos e microscópicos. O tratamento mais preconizado para o subtipo unicístico é a enucleação cirúrgica, seguida de terapia coadjuvante, como cauterização química com solução de Carnoy e/ou ostectomia periférica (Figura 10). O índice de recidiva varia de 10 a 20%, sendo influenciado pela presença ou não de invasão mural. Vale ressaltar que embora alguns autores defendam um tratamento mais agressivo para os casos de ameloblastoma unicístico com invasão mural, no serviço de Residência em Cirurgia Bucomaxilofacial da UFMG, o tratamento conservador, representado por enucleação acrescido de terapia coadjuvante, tem mostrado resultados satisfatórios.

Diferente do ameloblastoma unicístico, que se apresenta encapsulado, o ameloblastoma convencional é infiltrativo. Como o tumor infiltra, para além das margens radiográficas, seu tratamento deve ser mais agressivo e envolve ressecção marginal, com aproximadamente 1 a 2 cm além dos limites identificados nos exames de imagem (Figura 10). Procedimentos conservadores devem ser evitados, principalmente em tumores localizados na maxila, próximos de estruturas vitais. Com a identificação da mutação ativadora no gene BRAF, recentemente, alguns autores tem utilizado a terapia quimioterápica, voltada para inibição da mutação ativadora do gene BRAF. Entretanto, não temos ainda resultados conclusivos sobre a sua eficácia e seu custo-benefício, quando levamos em conta os seus efeitos colaterais.

 

ameloblastoma - tratamento

Figura 10- Enquanto na imagem da esquerda temos um caso de ameloblastoma unicístico sendo submetido ao procedimento de enucleação, na figura do lado direito vemos a peça cirúrgica de um caso de ameloblastoma convencional após ressecção marginal (Imagens cedidas pelo Prof. Wagner Castro).

 

 

Leitura Complementar:

1- Chrcanovic BR, Gomes CC, Gomez RS. Desmoplastic ameloblastoma: a systematic review of the cases reported in the literature. Int J Oral Maxillofac Surg. 2020;49:709-716. 

2- Diniz MG, Gomes CC, de Sousa SF, Xavier GM, Gomez RS. Oncogenic signalling pathways in benign odontogenic cysts and tumours. Oral Oncol. 2017;72:165-173. 

3- Guimarães LM, Coura BP, Gomez RS, Gomes CC. The Molecular Pathology of Odontogenic Tumors: Expanding the Spectrum of MAPK Pathway Driven Tumors. Front Oral Health. 2021;2:740788. 

4 – Neville BW, Damm DD, Allen CM, Chi AC. Oral and Maxillofacial Pathology. Elsevier, St. Louis, 4 ed., 2015.

5- WHO Classification of Tumours Editorial Board. Head and neck tumours. Lyon (France): International Agency for Research on Cancer; forthcoming. (WHO classification of tumours series, 5th ed.; vol. 9). https://publications.iarc