O adenoma pleomórfico é a neoplasia de glândula salivar mais frequente. A parótida é o sítio mais afetado. Dentro da cavidade oral, localiza-se, prioritariamente, na região posterior do palato – ao contrário das neoplasias de tecido nervoso que são mais frequentes na porção anterior do palato duro. A mucosa de revestimento geralmente não apresenta ulceração (Figura 1). O tumor afeta principalmente pacientes adultos, apresenta crescimento lento e assintomático. Em relação a patogênese molecular, o tumor apresenta translocações ou rearranjos recorrentes, principalmente no PLAG1 (8q12), ou, secundariamente, no HMGA2 (12q14-15) (Confira o painel de marcadores moleculares para o diagnóstico de neoplasias de glândula salivar).
Figura 1- Lesão tumoral revestida por mucosa íntegra.
Características histopatológicas
O adenoma pleomórfico apresenta grande diversidade de padrões histológicos. Basicamente, se observa a proliferação de células com diferenciação epitelial, morfologia cuboide ou basaloide, arranjadas em lençóis, cordões e estruturas ductiformes (Figura 1). Na periferia dessas estruturas há células com diferenciação mioepitelial formando principalmente áreas mixoides, hialinas ou condroides. As células com diferenciação mioepitelial apresentam morfologia fusiforme ou plasmocitoide, e, quando localizadas na periferia dos ductos, exibem citoplasma claro (Figura 2). O tumor apresenta cápsula de espessura variável, com áreas de invasão por projeções de células neoplásicas. Em alguns casos pode ocorrer metaplasia escamosa ou células mucosas. Nos casos em que há uma proporção significativa de matriz condroide, o diagnóstico diferencial com o condrossarcoma deve ser considerado. A presença de células neoplásicas no interior de vasos sanguíneos, possível artefato acidental provocado pelo procedimento de biópsia, não deve ser interpretado como angioinvasão, diferente de outras neoplasias. Esse achado é melhor conceituado como pseudoinvasão vascular. Padrão multinodular pode ser identificado em alguns casos, mas não representa múltiplos tumores independentes, sendo provavelmente efeito de corte relacionado à lobulações irregulares. Por outro lado, esse achado em tumores recorrentes levanta preocupação sobre transformação maligna. Um detalhe morfológico importante é que alguns tumores podem se apresentar bastante celularizado em razão da proliferação das células abluminais (diferenciação mioepitelial) ou luminais (diferenciação epitelial). Tumores mais celularizados são mais encontrados nas glândulas salivares menores, mas a presença desse aspecto não tem relevância prognóstica. Entretanto, a ausência de características citomorfológicas de malignidade ajudam na caracterização benigna do tumor. Embora áreas de necrose possam indicar transformação maligna, esse achado também pode ser provocado por biópsias prévias por agulha fina ou ser encontrada próxima da mucosa ulcerada em tumores benignos. Proliferação celular aumentada, tal como as áreas de necrose, quando estão presentes isoladamente, não indicam necessariamente que houve transformação maligna, mas requerem o cuidado pelo patologista na análise de toda a peça cirúrgica para exclusão dessa hipótese. O patologista, nos casos de carcinoma ex-adenoma plemórfico, deve procurar diferenciar os tumores intracapsulares daqueles com áreas minimamente ou amplamente invasivas. Em razão do arranjo túbulo-glandular bifásico, o adenoma pleomófico pode se assemelhar com o carcinoma epitelial-mioepitelial. Entretanto, o carcinoma epitelial-mioepitelial é invasivo, apresenta camadas epiteliais e mioepiteliais geralmente bem evidentes, demarcadas e envolvidas por uma membrana basal hialina espessa, distinta da matriz condromixoide que emerge da camada mioepitelial do adenoma pleomórfico. O adenoma pleomórfico pode apresentar uma cápsula fina ou pobremente definida. A ausência de cápsula ou a sua infiltração local por células neoplásicas não devem ser confundidas com a malignização da lesão.
Análises de imunohistoquímica mostram positividade das células ductais e mioepiteliais do adenoma pleomórfico para o p63, S-100 e vimentina. Baixa expressão do marcador de proliferação celular Ki-67 é esperado para o tumor. Interessante observar que os tumores com células plasmocitoides são postivos para vimentina, S-100 e GFAP, mas negativos para actina de músculo liso. Isso contrasta com aqueles com predomínio de células mioepiteliais fusiformes, os quais mostram positivdade para a actina de músculo liso. Positividade para o PLAG-1 pode ajudar no diagnóstico diferencial.
Figura 2- Aspecto microscópico em menor aumento do adenoma pleomórfico. Observar os arranjos das células com diferenciação epitelial formando lençois, cordões e estruturas ductiformes contendo material secretor eosinofílico. O tumor apresenta-se envolvido por uma delgada cápsula de tecido conjuntivo fibroso.
Figura 3- Nesta imagem as células com diferenciação epitelial exibem citoplasma eosinófilico e revestem internamente as estruturas que lembram ductos glandulares. Na periferia desses, células com diferenciação mioepitelial contendo citoplasma claro. Mais externamente nota-se áreas hialinizadas.
Tratamento
Considerando que as lesões malignas de glândula salivar correspondem a quase metade dos casos de neoplasias glandulares intrabucais, e que as mesmas nem sempre apresentam superfície ulcerada, a biópsia incisional é recomendada a fim de garantir o planejamento adequado do tratamento. Esse deve consistir na excisão cirúrgica do tumor, embora haja a possibilidade de recidivas em decorrência da pouca definição da sua cápsula. Recorrências são relatadas em aproximadamente 5% dos caos. A transformação maligna pode ocorrer.
Leitura Complementar:
1- Allen CM, Damm D, Neville B, Rodu B, Page D, Weathers DR. Necrosis in benign salivary gland neoplasms. Not necessarily a sign of malignant transformation. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1994; 78; 455–461.
2- Gomes CC, Galvão CF, do Carmo AC, Pereira NB, Gomez RS. Intratumor molecular heterogeneity in pleomorphic adenoma of the salivary glands. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016;121:158-163.
3- Hernandez-Prera J, Skálova A, Franchi A, et al. Pleomorphic adenoma: the great mimicker of malignancy. Histopathol 2021;79:279-290.
3- Skalova A, Altemani A, Di Palma S et al. Pleomorphic adenoma of the salivary glands with intravascular tumor deposits: a diagnostic pitfall. Am J Surg Pathol 2012; 36; 1674–1682.