A actinomicose é uma infecção, eventualmente, encontrada na prática clínica, causada por bactérias anaeróbicas, gram-positivas, do gênero Actinomyces, mais comumente o Actinomyces israelli. Outras espécies causadoras da doença incluem: A. viscosus, A. naeslundii, A. odontolyticus, A. meyeri, A. pyogenes, A. viscosus e A. bovis. A doença apresenta-se de diferentes formas clínicas (cervicofacial, torácica e abdominal) ou em órgãos diversos (pele, trato geniturinário, cérebro, pericárdio e extremidades).
Nesse texto, trataremos da forma cervicofacial, em razão de sua importância, do seu reconhecimento pelo cirurgião-dentista e por ser a apresentação clínica mais comum, responsável por 55% dos casos.
Os Actinomyces spp. são bactérias comensais alojadas na região orofaríngea. Elas são encontradas também nas tonsilas palatinas, cavidades cariosas, bolsa periodontal, sulco gengival, biofilme oral e cálculo dentário. A infecção se estabelece, profundamente, através de um ponto de entrada que pode ser uma lesão na mucosa, por via endodôntica ou pela bolsa periodontal. Procedimentos cirúrgicos e trauma são algum dos fatores que podem facilitar o estabelecimento da lesão. Alguns fatores predisponentes ao surgimento dessa infecção são: a má higiene bucal, o diabetes, o uso abusivo de álcool, a má nutrição e a imunossupressão.
Características clínicas
Na forma cervicofacial da actinomicose, a mandíbula é o principal local afetado. A doença acomete os tecidos moles da região do ângulo da mandíbula, submandibular, submentoniana e/ou bochecha (Figura 1). Envolvimento das glândulas salivares, com invasão dos ductos glandulares ou intrabucal, como língua (Figura 2) e região das tonsilas são também relatados. A actinomicose cervicofacial é caracterizada pela formação de abscessos, exibindo vários trajetos fistulosos, contendo grânulos semelhantes a enxofre (“grânulos sulfurosos”). Embora os grânulos sulfurosos sejam bastante sugestivos da enfermidade, eles são encontrados em pouco mais da metade dos casos. Fibrose tecidual é encontrada na periferia dos trajetos fistulosos (ou áreas de abscessos), o que leva a uma consistência lenhosa na área tumefeita. O período de evolução é geralmente longo, o que pode ajudar no diagnóstico, embora casos agudos sejam também relatados.
Em razão da sua variada apresentação clínica, o diagnóstico da actinomicose pode ser desafiador. Um diagnóstico diferencial importante é a botriomicose, contaminação causada principalmente pelo Staphylococcus aureus. Nessa infecção, múltiplos trajetos fistulosos e a formação dos “grânulos sulfurosos” também podem ser observados, embora a microscopia e o exame de cultura auxiliem na diferenciação.
Vale ressaltar que a infecção não se espalha ao longo dos planos faciais e tampouco segue a rota da irrigação linfática e vascular. Por esse motivo, a linfadenopatia é um achado incomum, mas quando presente tende a indicar estágio tardio da doença. A febre é relatada em menos de 10% dos casos. Em algumas ocorrências, o exame de hemograma pode mostrar apenas leucocitose. Além da cultura ser positiva, em menos de 30% dos casos, o resultado demanda algumas semanas para ser concluído. A biópsia por punção aspirativa por agulha fina pode ajudar, contudo os exames citológico da secreção e/ou histopatológico da amostra obtida com a curetagem das lesões são mais úteis para o diagnóstico. Cabe mencionar ainda que o uso de antibiótico pode mascarar o desenvolvimento das lesões.
No que se refere à sua apresentação, a actinomicose cervicofacial pode ser periférica ou intraóssea. A forma intraóssea pode se expressar como uma osteomielite, com formação de áreas radiolúcidas no exame radiográfico. A manifestação periapical é um subtipo da forma intraóssea da doença, que pode ser provocada pela contaminação durante: o tratamento endodôntico, doença periodontal ou endógena. Geralmente, essa infecção fica localizada e não evolui para a forma invasiva da doença.
Figura 1- Imagem clínica da actinomicose cervicofacial.
Figura 2- Manifestação na língua, com formação de nódulos ou tumores.
Características histopatológicas
No exame histopatológico, encontraremos colônias filamentosas, formadas por microrganismos, dispostas em um padrão radiado e exibindo coloração eosinofílica na periferia (Figura 3). Essas estruturas são conhecidas como fenômeno de Splendore-Hoeppli. Esse fenômeno foi descrito, inicialmente, na esporotricose, por Splendore, e na esquistossomose, por Hoeppli. O material eosinofílico periférico é formado por restos celulares e pela deposição de complexos antígeno-anticorpo e é cercado por uma coleção de neutrófilos. No entorno, encontraremos reação inflamatória intensa e, externamente, a área de fibrose. Quando os grânulos se soltam do tecido inflamatório, o anel de neutrófilos permanece preso às colônias bacterianas.
Como a botriomicose apresenta manifestação clínica semelhante à actinomicose, a microscopia do material secretor ou do tecido curetado é importante para o diagnóstico diferencial. Apesar de ambas as infecções mostrarem “grânulos sulfurosas”, clinicamente, com a microscopia exibindo o fenômeno de Spendlore-Hoeppli, estruturas cocoides, basofílicas arredondadas, semelhantes a novelos, são identificadas no interior dos grânulos, no caso da bobriomicose.
Figura 3- Colônias filamentosas de Actinomyces israelli, confirmado pelo exame de PCR, exibindo disposição radiada na periferia, com centro mais basofílico (fenômeno de Splendore-Hoeppli).
Tratamento
A penicilina, a amoxilina e a tetraciclina são algumas das drogas de escolha o para tratamento da actinomicose. A duração do tratamento pode variar entre 3 a 10 semanas. No caso de infecções profundas, o tratamento pode estender por 6 a 12 semanas e deve ser combinado com cirurgia. Abordagem cirúrgica é indicada para os casos de lesão óssea ou na presença de trajetos fistulosos, em razão da dificuldade da penetração do antibiótico. Mas, vale ressaltar que o tratamento cirúrgico conservador é indicado tanto para os casos agudos quanto para os casos superficiais.
Em razão do seu curso mais indolente e limitado, antibioticoterapia não é normalmente necessária no tratamento da actinomicose periapical. Contudo, nesses casos, a curetagem cirúrgica é indicada nos casos de ausência de resposta ao tratamento endodôntico.
Leitura complementar
2- Gopinath D. Splendore-Hoeppli phenomenon. J Maxillofac Pathol 2018;22:161-162.
3- Neville BW, Damm DD, Allen CM, Chi AC. Oral and Maxillofacial Pathology. Elsevier, St. Louis, 4ed, 2016.
4- Pasupathy SP, Chakravarthy D, Chanmougananda S, Nair PP. Periapical actinomycosis. BMJ Case Reports 2012; doi:10.1136/bcr-2012-006218
5- Sadeghi S, Azais M, Ghannoum J. Actinomycosis presenting as macroglossia: Case report and review of the literature. Head Neck Pathol 2019;13:327-330.
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