O carcinoma adenoide cístico é uma neoplasia de alto grau de malignidade que pode acometer as glândulas salivares. Ele representa a segunda neoplasia maligna de glândula salivar mais comum, ficando atrás apenas do carcinoma mucoepidermoide.A glândula parótida é o principal sítio afetado pela doença. Embora a glândula sublingual seja raramente afetada por neoplasias, quando isso acontece, os tumores malignos são mais frequentes. O carcinoma adenoide cístico é a neoplasia maligna da glândula sublingual e submandibular mais comum. Cerca de metade dos casos afeta as glândulas salivares menores, sendo o palato, o local mais envolvido, seguido pela língua, mucosa jugal e lábio. O tumor atinge pacientes de uma ampla faixa etária, especialmente na quinta e sexta décadas de vida. Como os tumores no lábio são facialmente reconhecidos, eles têm menor dimensão do que aqueles que se localizam no palato. A lesão apresenta crescimento lento e o paciente pode se queixar de parestesia e dor no local. Tumores intraósseos são raros e, quando acontecem, a mandíbula é o osso mais afetado.

 

Imagem clínica do carcinoma adenoide cístico

Figura 1- Imagem clínica evidenciando a presença de lesão tumoral na porção posterior do palato. A biópsia incisional revelou carcinoma adenoide cístico.

 

O evento genético mais importante do carcinoma adenoide cístico é a translocação que é resultante das fusões de MYB-NFIB e MYBL1-NFIB. A ativação do gene MYB leva ao aumento da expressão dos genes C-kit, Cox-2 e Bcl-2. Outros eventos genéticos diversos também são encontrados (Confira o painel de marcadores moleculares para o diagnóstico de neoplasias de glândula salivar). Curiosamente, muitas das fusões menos frequentes, levam também a expressão aumentada da proteína Myb. Isso levanta a possibilidade para o uso de terapia alvo com inibidores de Myb. Mutações no gene NOTCH1 tem sido identificadas em um subgrupo de pacientes com tumores agressivos e que apresentam metástases a distância.

 

Características histopatológicas

Microscopicamente, o carcinoma adenoide cístico apresenta dois tipos celulares principais: célula luminal ductal e a célula abluminal mioepitelial. As células ductais são cuboidais, mostram citoplasma eosinófilico, amplo e núcleos uniformes e arredondados. As células mioepiteliais exibem citoplasma escasso e núcleos hipercromáticos e angulares. Figuras de mitose não são significativas. Conforme o arranjo dessas células, o tumor pode apresentar três padrões histológicos: cribriforme, sólido e tubular. Os três padrões são comumente encontrados em proporções variadas dentro de um mesmo tumor. O padrão cribriforme é o mais comum e é caracterizado pela formação de numerosos espaços císticos, revestidos pelas células ductais, e pseudocísticos, envolvidos pelas células mioepiteliais modificadas. No tipo tubular encontramos estruturas semelhantes a ductos revestidos internamente por células epiteliais modificadas, envolvidas externamente por uma ou mais camadas de células mioepiteliais fusiformes. No tipo sólido os dois tipos celulares do tumor formam massas sólidas, com escassos espaços ductais ou pseudocísticos. Como o carcinoma adenoide cístico é um tumor de alto grau de malignidade, a sua gradação histológica não tem grande relevância como no carcinoma mucoepidermoide. Existem casos mais agressivos e com dediferenciação, com perda do componente mioepitelial e aumento do índice de mitoses, comedonecrose e desmoplasia. Apesar do baixo número de mitose, o carcinoma adenoide cístico usualmente apresenta atipia celular, o que difere, por exemplo, do adenocarcinoma polimorfo. Invasão perineural e intraneural são também encontradas.

 

Imagem microscópica do carcnoma adenoide cístico

Figura 2- Padrão cribriforme do carcinoma adenoide cístico. Notar a formação de estruturas semelhantes a ductos (seta) e de espaços pseudocísticos. As estrurturas ductiformes são revestidas por células epitelioides, cotendo citoplasma eosinofílico. As células mioepiteliais modificadas apresentam citoplasma escasso, núcleos hipercromáticos, angulares e predominam nessa imagem.

 

Do ponto de vista imunohistoquímico, positividade para CK7 e C-kit é encontrada principalmente nas células ductais. Por outro lado, as células mioepiteliais revelam positividade para p63, p40, calponina e actina de músculo liso. Embora a positividade para CK7 seja encontrada na grande maioria dos tumores de glândula salivar, o seu uso pode ser útil para o diagnóstico diferencial com outros grupos de neoplasias, incluindo o carcinoma de células escamosas e lesões metastáticas.

Geralmente, o carcinoma adenoide cístico apresenta comportamento biológico agressivo, com tendência a neurotropismo e recorrência, embora seja observado pouco envolvimento de linfonodos regionais. As metástases à distância são de origem hematogênica e mais comum no pulmão. É importante destacar que a probabilidade de metástase à distância é maior do que cervical; o que dificulta o tratamento, mostrando a sua agressividade biológica.

 

Tratamento

O tratamento cirúrgico é a principal modalidade terapêutica, mas em razão da natureza infiltrativa do tumor, as margens da peça cirúrgica frequentemente estão comprometidas. Em casos específicos, a dissecção profilática dos linfonodos do pescoço é feita. A radioterapia é recomendada para a maioria dos pacientes com tumores nas glândulas menores. Quando as margens cirúrgicas não se apresentam comprometidas, uma abordagem mais conservadora é levada em conta. A sobrevida de cinco anos gira entorno de 66 a 92% dos casos, mas, tradicionalmente, em 10 anos, ela cai para 50%. Após 15 a 20 anos, 60-90% dos pacientes evoluem para um curso fatal, o que justifica a colocação desse tumor entre aqueles de alto grau de malignidade. Terapia-alvo para as fusões gênicas encontradas no tumor são promissoras.

 

Leitura Complementar:

1- Skálova A, Hyrcaz M, Vanececk T, Banecková M. Fusion-positive salivary gland carcinomas. Gen Chrom Cancer 2022;61:228-243.

2- Hellquist H, Skalova A. Histopathology of the Salivary Gland. Springer: Heidelberg, 1ed, 2014.

3- Shum JW, Chatzistefanou I, Qaisi M, Lubek JE, Ord R. Adenoid cystic carcinoma of the minor salivary glands: a retrospective series of 29 cases and review of the literature. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol 2016;121:210-214.

4- Ueda K, Murase T, Nagao T, Kusafuka K, Urano M, Yamamoto K,  et al. Central pathology review of salivary gland adenoid cystic carcinoma. Head Neck 2020;42:1721-1727.

 

 

 

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